Ano Letivo 2014 / 2015

domingo, 11 de julho de 2010

Coitadinha da Criancinha

Por João Miguel Tavares, jornalista (jmtavares@cmjornal.pt) in http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/outros/domingo/coitadinha-da-criancinhal
(ilustração de José Carlos Fernandes)

A infantilização das crianças é o novo vírus que afecta pais, avós, tios, vizinhos, professores e quase toda a gente que contacta com miúdos no dia-a-dia. Há meio século, mandavam-se crianças de seis anos cavar batatas para o campo. Actualmente, deposita-se a batatinha na boquinha da criança e pede-se encarecidamente se não seria muito incómodo para ela mover o maxilar inferior para cima e para baixo de forma a mastigar o que tem na boca. Assim de repente, entre uma coisa e outra é capaz de haver um meio-termo. Digo eu.
Esta galinhice assolapada é completamente contraproducente, porque a única coisa que faz é produzir crianças irresponsáveis e temerosas da sua própria sombra. Daniel Sampaio explicava há uns tempos numa entrevista que vivemos num mundo onde um jovem passa directamente de estar proibido de ir sozinho à mercearia da sua rua para estar autorizado a sair à noite até às três da manhã. Enfiam-se os miúdos numa campânula durante 14 anos, até que um dia os progenitores decidem que está na hora de abrir a porta e eles caem de pára-quedas no mundo. Isso não pode ser bom.
Alguém se anda a esquecer da importância de cultivar a exigência e o sentido de responsabilidade. De tanto ouvirem falar de raptos, pedofilia, acidentes e todo um vasto catálogo de tragédias, os adultos passaram a olhar para o mundo como uma ameaça ao bem-estar dos seus filhos. Tudo é perigoso. Tudo é assustador. A criancinha não se pode afastar dois metros na rua por causa da Maddie, não pode trepar a uma árvore por causa da gravidade, não pode ser repreendida em público porque ainda acaba traumatizada, não pode espirrar porque é um princípio de pneumonia. Não há pachorra.
As pessoas esquecem-se que uma criança de seis anos está mais próxima de vir a ser um adulto do que de voltar a ser bebé. Se os pais se atrevessem um pouco mais, perceberiam que é muito recompensador falar com os miúdos respeitando a sua inteligência e estimulando-os a ir além daquilo que já são capazes de fazer, em vez de estar permanentemente a travar todos os gestos que nos parecem arriscados. Como é que podemos esperar que os nossos filhos cresçam confiantes se a cada passo insistimos em almofadar o pavimento? Dir-me-ão que por vezes pode correr mal. Pois pode. Mas é preferível um joelho aberto de vez em quando do que um "tem cuidado" a toda a hora.

2 comentários:

Anónimo

Atá dói ouvir estes puxões de orelhas!
Dá que pensar, mas o instinto protector é mais forte do que nós!!
Clara Castanheira

Anónimo

Acho que todos os pais se revêem em algumas frases deste texto. Uns mais que outros, porque nem todos somos iguais.
A minha filha ainda é muito pequena, mas o que me preocupa mais do que as questões da segurança física é a hipocrisia/falsidade das pessoas. Que infelizmente não está apenas nas pessoas "estranhas"... E é nessas ocasiões que esta "mãe galinha" abre as asas e cobre a sua "pintainha" com as penas. E depois cacareja bem alto "Cócorococó"!

Joana Ruivo

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